domingo, 27 de abril de 2014

Mais estranho que a ficção (filme)


O que você faria se acordasse um dia e percebesse que sua vida está sendo narrada? De repente, você começa a ouvir uma voz em off sobre seus movimentos e, pior, seus pensamentos e sentimentos.



Isso é o que acontece com Harold Crick no filme Mais estranho que a ficção (Stranger than Fiction; Estados Unidos, 2006). Em uma manhã, ele começa a ouvir a narração de sua própria vida e, com razão, começa a se preocupar e a se irritar com isso.

Até então, Harold, que é fiscal da Receita Federal, tem, ou pelo menos pensa ter, a vida sob controle (controla o número de vezes que escova os dentes, os passos que dá até chegar ao ponto de ônibus, onde pega sempre o mesmo ônibus, pontualmente, para ir ao trabalho, a forma de dar o nó na gravata para economizar tempo). 

Logo ele descobre que a narradora de sua vida, sua autora, pretende matá-lo e, a partir daí, as coisas começam a ficar mais preocupantes e mais engraçadas.

Harold procura uma psiquiatra, que o diagnostica como esquizofrênico e lhe recomenda tomar remédios. Harold sabe que não é esquizofrênico, não quer tomar remédios e pede uma alternativa. A psiquiatra lhe diz que ele pode procurar alguém que entenda de literatura. E é aí que entra o professor universitário (e também salva-vidas) Jules Hilbert, interpretado pelo ótimo Dustin Hoffman.


Como as outras pessoas, o prof. Hilbert não leva Harold a sério, mas quando Harold cita exatamente a passagem sobre sua morte iminente (narrada pela "voz" anteriormente), o professor se interessa pelo caso.

O prof. Hilbert primeiro tenta ajudar Harold a identificar que tipo de personagem ele é e em que tipo de narrativa está inserido (se é um príncipe, um elfo, um vampiro...). Depois, pede para Harold identificar se está dentro de uma comédia ou de uma tragédia - pelas situações que vive naquele determinado dia, conclui que sua vida é uma tragédia.

Claro que existe uma mocinha na narrativa: Ana Pascal, dona de uma confeitaria, que Harold conhece quando vai até a loja dela para tentar resolver um problema de sonegação de impostos. No início ela o odeia, mas ele se apaixona. Talvez o livro que está sendo narrado seja um romance romântico.


Além do drama ou da tragicomédia vivida por Harold, sua autora, a pessoa que o criou, está com um bloqueio criativo, e a editora envia uma assistente para ajudá-la, para que ela consiga entregar o manuscrito no prazo (ela ainda datilografa o manuscrito, um charme), o que parece não ajudar muito.

Karen Eiffel, a escritora que sempre mata seus personagens


O filme é muito bom, pois quem o assiste fica sempre na expectativa do que vai acontecer. Será que Harold vai conseguir se desviar da morte? Vai conseguir se comunicar com sua autora de alguma forma e pedir para que ela escreva um outro fim para ele? Karen Eiffel conseguirá terminar o livro de forma satisfatória? Como em seus livros anteriores, ela matará o herói? Harold precisa mesmo morrer para que ela tenha um romance muito bom? Segundo o prof. Hilbert, que entende de teorias literárias, sim. No entanto, Harold quer uma chance para viver a vida de uma forma diferente, para tentar fazer coisas diferentes e se surpreender e se deixar ser surpreendido.

Só assistindo para saber o que acontece!

Trailer do filme:



***

Um ponto interessante e engraçado do filme é quando a escritora se desloca para algum lugar para fazer trabalho in loco, observar diferentes possibilidades de morte e, assim, poder usar isso em seu livro de forma mais verossímil. Por exemplo, sobe em sua mesa e  imagina como deve ser se suicidar dessa forma; em um dia chuvoso, vai para perto de uma ponte sobre um rio e imagina como deve ser sofrer um acidente de carro e o carro despencar lá de cima ou então vai para um hospital para ver pessoas moribundas - talvez seu protagonista possa morrer de alguma doença séria...

domingo, 20 de abril de 2014

O Brasil pode ser um país de leitores?


Título: O Brasil pode ser um país de leitores? - Política para a cultura/ Política para o livro
Autor: Felipe Lindoso
Editora: Summus Editorial
Ano de publicação: 2004
Nº de páginas: 224

Apesar de ter sido publicado há dez anos e ter algumas informações provavelmente desatualizadas, este livro é muito bom para entender como ocorreu o desenvolvimento do mercado editorial brasileiro e qual a sua dinâmica atual.

É dividido em três partes:

Parte I - Política da cultura

Aqui, Lindoso apresenta alguns dados sobre a política cultural no país, e reflete sobre a dificuldade de o governo conseguir incentivar e promover a leitura de forma eficaz. Parece existir um grave problema, pois as verbas para incentivo à cultura não são bem distribuídas (a maior parte do orçamento do governo vai para a produção de filmes e patrocínio de shows e eventos culturais), além do fato do produto desses incentivos (shows, peças teatrais, filmes) não chegar à maioria dos brasileiros.

Política cultural que se preocupa exclusivamente em distribuir recursos para a produção de bens culturais e não para o acesso da cidadania aos bens produzidos é simplesmente a reprodução do passado.

Parte II - O livro e a política cultural

Na segunda parte,  para mim, a mais interessante, o autor resume a história da indústria de livros no Brasil, desde o século XIX, época em que, tardiamente, o país passou a publicar livros; até 1808 Portugal proibia a existência de imprensa em sua colônia.

Foi somente em 1808, quando D. João - então príncipe regente e posteriormente D. João VI de Portugal - chegou ao Rio de Janeiro, fugido da invasão napoleônica, que o país teve sua primeira imprensa. A corte trouxera de Portugal os equipamentos da Imprensa Régia e também o núcleo do acervo que mais tarde constituiria a Biblioteca Nacional, incluindo-se aí obras raras e incunábulos. [...] Na verdade, a impressão de livros só  veio a acontecer comercialmente bem mais tarde, e até o final do século a maior parte dos livros editados no Brasil era feita em Portugal ou em Paris.

Em meados do século XIX, alguns editores europeus começam a investir na publicação de livros literários e também escolares no Brasil. Devido ao crescimento econômico de São Paulo a partir das décadas finais do século XIX (cultivo do café e industrialização), houve a expansão da rede de ensino, o que, consequentemente, aumentou a demanda por livros, principalmente didáticos. É interessante observar o desenvolvimento de várias editoras de que ouvi falar e de algumas que existem até hoje (Francisco Alves, Saraiva, José Olympio, Nacional, Melhoramentos).

Entre outras histórias, ficamos sabendo da saga de Monteiro Lobato como editor, que começa a partir de 1918. Nessa época, havia um sério problema de distribuição dos livros no país e Lobato (gênio!) teve a ideia de propor aos donos de bancas de jornal, papelarias, farmácias e armazéns que aceitassem vender os livros consignados, dessa forma, conseguiria atingir seu público. Não sei se ele era exatamente um excelente escritor (acho a Emília uma chata!), mas era um editor muito empreendedor e merece minha admiração.

Nessa parte do livro, também há um capítulo sobre a aquisição de livros pelo governo e outro sobre o fomento governamental ao livro. Esses capítulos talvez estejam um pouco desatualizados, pois tenho percebido um esforço um pouco maior do governo para incentivar a leitura (como o aumento do número de feiras literárias Brasil afora, por exemplo). Claro que o número de bibliotecas e o acesso ao livro à maioria das pessoas ainda não é uma realidade, mas, aos poucos, talvez chegaremos lá. Só posso dizer que a venda de livros para o governo é bastante burocrática e um tanto obscura. As editoras maiores parecem se beneficiar e enriquecer disso, enquanto as editoras menores e independentes tendem a sumir.


Parte III - Globalização e cultura

Nesta terceira parte, o autor reflete sobre a indústria do livro em escala global e como isso pode afetar a oferta de diversidade de títulos (cada vez mais, as editoras tendem a ser absorvidas por "conglomerados", que, por sua vez, vão querer publicar apenas livros com potencial de vendas).

 O grande problema da cultura de best-sellers é precisamente este: as editoras precisam de livros de grande sucesso e venda rápida. As cadeias de livrarias, pressionadas também por custos, acentuam essa pressão, e o resultado final é a diminuição do espaço nos catálogos editoriais e nas prateleiras das livrarias para autores novos.

Por último, o autor escreve rapidamente sobre a importância da nossa literatura infantil e sobre sua divulgação no exterior.

Além de ser um livro bastante informativo, me fez refletir sobre a questão que o autor propõe já no título: O Brasil pode ser um país de leitores? 

Concluo que, sim, o Brasil pode ser um país de leitores, apesar da concorrência com TV, computador, tablets, celulares, videogame. No entanto, penso que algumas políticas que vêm sendo adotas precisam ser reforçadas ou alteradas:

1. construção de mais bibliotecas, principalmente em cidades do interior (em teoria, o governo já está ciente disso e trabalhando nisso, mas, na prática, não sei o que vem sendo feito);

2. criação de programas de incentivo à leitura desde a 1ª série do ensino básico, desde que a criança é alfabetizada (seja como matéria obrigatória ou como ciclos de leitura) e preparação de profissionais específicos para essa função;

3. incentivo fiscal para empresários que tenham interesse em abrir livrarias em locais em que elas não existem;

4. promoção do livro como uma forma interessante de entretenimento em bibliotecas e centros culturais;

5. incentivo/patrocínio a autores para divulgação de suas obras ou de literatura em geral em determinados locais, por meio de palestras e bate-papos;

6. incentivo a novos autores nacionais por meio de oficinas literárias e cursos de aprimoramento da escrita - isso eu acho importante para que as crianças não cresçam com a noção de que "livros nacionais não prestam" (revisando alguns livros, às vezes também fico com essa impressão, mas sei que também temos escritores excelentes) e se tornem leitores apenas de literatura estrangeira.


Biografia do autor retirada de seu blogue O Xis do Problema:

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, Diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO.