domingo, 4 de maio de 2014

Observações de uma tradutora e revisora free-lance

Além de trabalhar internamente como assistente editorial em uma editora de livros, às vezes também presto serviços de tradução e revisão free-lance para outras editoras. (Trabalho free-lance é quando você trabalha para alguma empresa ou pessoa, mas não tem vínculo empregatício com ela. O pagamento é feito por trabalho.)

Nos últimos anos, tenho investido mais nesses trabalhos free-lance, porque gosto muito de trabalhar com texto, porque estou juntando dinheiro para fazer alguns cursos de aprimoramento (depois que terminar o MBA, quero fazer um curso livre de design gráfico) e viajar para o exterior (estou pesquisando para ver se consigo aliar estudo e lazer) e também porque isso tem a ver com meus objetivos profissionais de longo prazo, que são: me tornar tradutora literária e editora de literatura estrangeira.

Sinto que o fato de trabalhar como assistente editorial (e, às vezes, já como editora mesmo) me ajuda a traduzir e revisar melhor; consigo ter uma visão mais ampla, pois tenho em mente todo o processo de produção do livro. E também acontece o contrário, ao traduzir ou revisar, consigo sentir na pele o que é ser free-lancer, como é estar "do outro lado do balcão", quais são as dificuldades, irritações e satisfações de se trabalhar dessa forma e me conscientizo do que não devo fazer. De quebra, consigo ter uma noção sobre o funcionamento das editoras com que trabalho.

Todas as editoras e editores têm formas próprias de trabalhar, isso não é novidade. No entanto, algumas editoras e alguns editores me passam a impressão de serem mais profissionais ou organizados ou confusos que outros. Gosto de trabalhar mais com algumas editoras que com outras (e isso não tem necessariamente a ver com o valor que pagam pelo trabalho; a questão é mais subjetiva).

Há algum tempo listei mentalmente alguns pontos ou algumas características de editoras com que já trabalhei ou trabalho e como me sinto em relação a alguns procedimentos editoriais. Vamos ver se me lembro de tudo (caso você trabalhe na área, talvez se identifique com alguns pontos):

1. Propõe um teste de tradução ou revisão com prazo de entrega de uma semana, mas nunca dá retorno ou demora meses ou até anos para fazer isso.
Nível de irritação: 9
Impressão sobre a empresa: bagunçada
Impressão sobre compromisso com colaboradores: muito baixo

2. Não responde e-mails com dúvidas sobre o trabalho ou demora tempo demais para fazer isso. Também não atende nem retorna ligações.
Nível de irritação: 10
Impressão sobre a empresa: "para que a pressa? no fim tudo dá certo."
Impressão sobre compromisso com colaboradores: muito baixo

3. Não dá todas as informações básicas necessárias para o free-lancer avaliar se consegue assumir o trabalho ou não (número de páginas/laudas a traduzir ou revisar, prazo de entrega, valor a ser pago, prazo de pagamento, requisitos para a execução do trabalho em questão). Só envia um e-mail curto perguntando se o free-lancer pode fazer um "trabalho rápido e tranquilo".
Nível de irritação: #*&$@!!
Impressão sobre a empresa: "devem fazer isso só para me irritar"
Impressão sobre compromisso com colaboradores: nenhum, né?

4. Logo no primeiro e-mail, já envia todas as informações e instruções sobre o trabalho a ser feito, mesmo que o free-lancer depois avise que não poderá assumir o trabalho.
Nível de amor: 100%
Impressão sobre a empresa: profissional
Impressão sobre compromisso com colaboradores: 10

5. Não paga o free-lancer na data combinada, mesmo que ele tenha entregue o trabalho no prazo. Obriga o free-lancer a ficar enviando vários e-mails e telefonando para saber quando vão fazer o pagamento. (Por sorte, nunca tive esse tipo de problema, mas tenho amigos que já tiveram.)
Nível de irritação: 10
Impressão sobre a empresa: Administrativa e financeiramente desorganizada, e talvez um pouco mau caráter. "Daqui a pouco vai à falência."
Impressão sobre compromisso com colaboradores: 0

6. Paga vários dias antes da data combinada.
Nível de amor: 100%
Impressão sobre a empresa: bastante atenciosa
Impressão sobre compromisso com colaboradores: 1000%

7. No caso de tradução de livro, solicita assinatura do contrato com firma reconhecida em cartório.
Nível de irritação: sem irritação (é praxe as editoras pedirem firma reconhecida para contratos de tradução, acho que para se prevenirem em casos de plágio de tradução posteriormente, ou seja, caso o tradutor tenha copiado a tradução do mesmo título já publicado por outra editora - em geral há uma cláusula do tipo: "O contratado assume a responsabilidade pela originalidade da tradução...")
Impressão sobre a empresa: normal
Impressão sobre compromisso com colaboradores: ---

8. No caso de revisão de livro, solicita assinatura do contrato com firma reconhecida em cartório.
Nível de irritação: 7 (todos amamos burocracia e temos tempo de sobra para perder na fila do cartório, certo?)
Impressão sobre a empresa: burocrática / tem bastante tempo e pessoal para perder com burocracias
Impressão sobre compromisso com colaboradores: ---

9. Envia o livro com que trabalhei logo depois da publicação.
Nível de amor: 100%
Impressão sobre a empresa: atenciosa com funcionários e colaboradores
Impressão sobre compromisso com colaboradores: muito positiva

10. Envia uma proposta indecente: traduzir 400 páginas em 30 dias ou revisar 500 páginas em uma semana, com valor/lauda ou valor/página abaixo da média.
Reação: sem reação
Impressão sobre a empresa: exploradora; "também devem contratar mão de obra infantil para trabalhar 16 horas por dia em troca de refeição e moradia"
Impressão sobre compromisso com colaboradores: rá!

11. Envia e-mails da empresa muito depois das 18h ou em domingos e feriados.
Nível de irritação: em geral, não me irrita/ não me importo
Impressão sobre a empresa: não deve ser tão organizada; faz os funcionários ficarem até depois do horário normal/ os funcionários precisam fazer hora extra para cumprir prazos de publicação porque não há pessoal suficiente; "será que os funcionários levam colchonete para dormirem lá e não perderem tempo?"
Impressão sobre compromisso com colaboradores: neutra

12. Não dá os devidos créditos para o tradutor, preparador, designer, revisor, editor, capista etc.
Prefiro nem comentar.

[Acréscimo inserido no dia 13/5/14: lembrei de uma vez, há alguns anos, em que uma editora me enviou testes por e-mail e, depois que eu fizesse, deveria imprimir e enviar por correio. Em pleno século XXI - pelo menos esse é o século em que eu vivo, não sei o século em que eles estão vivendo. Fui lá e fiz para ver no que ia dar. E essa editora nunca me deu resposta. Deve ter sido tragada e devorada pelo Monstro Retrógrado... Bom, pelo menos até agora nunca me pediram para enviar teste por FAX, por enquanto.]

Duas coisas muito positivas que aprendi enquanto free-lancer (com empresas diferentes): é possível se cadastrar na prefeitura como MEI (microempreendedor individual) para emitir notas fiscais - esse tipo de cadastro não exige burocracias e paga-se apenas uma taxa fixa por mês (em torno de R$ 40 atualmente), embora seja válida apenas para alguns tipos de profissões - fiz o meu cadastro como "editor de livros". A segunda coisa positiva é que soube que a nova versão do Adobe Reader (versão XI) possui ferramentas de revisão de texto, o que é bastante prático para revisar livros já diagramados e que estão em PDF.

E o ponto positivo geral de se trabalhar com várias empresas diferentes é que, às vezes, algumas fazem exigências ou dão instruções diferentes umas das outras que depois podem ser aplicadas no trabalho que faço internamente ou mesmo para trabalhos em outras empresas (quando estas não têm critérios definidos).

Hoje em dia, eu não conseguiria trabalhar apenas como free-lancer - tanto pela insegurança financeira quanto pela sensação de que não estou evoluindo tanto quanto gostaria ou poderia profissionalmente. Gosto e preciso desse dinamismo de ir absorvendo aprendizados de várias fontes para, aos poucos, ir aplicando e aprimorando minha forma de trabalhar.

4 comentários:

  1. Oi, Aline! Td bom?
    Antes de tudo, adoro seu blog por gostar muito de livros. Achei este aqui atraves do seu outro blog, pois procurava informacoes sobre emprego em editoras de livros.
    Admiro muito o que voce faz, o tanto de coisa, e ainda ter paciencia de escrever esses blogs legais pra gente. E tao bem escritos e com tanta informacao.
    Sabe, um dia sonhei em trabalhar com livros, nao faz muito tempo.... ja sou formada em veterinaria, mas ainda nao me achei na profissao, e tava pensando em mudar. Gosto de escrever tambem.... enfim...
    Mas acho que tenho uma certa visao de como pode ser o mercado literario no Brasil, principalmente porque o brasileiro le pouco.
    Claro, isto vem mudando com os anos, mas ainda sim, eh mto pouco perto de um Estados Unidos por exemplo. Bom, eu nao sei porque eu estou comentando essas coisas para uma pessoa que ja esta inserida no mercado, ahahahhahah.
    Gostaria de fazer umas perguntas. Se nao puder responder, ja agradeco de antemao por ter lido meu comentario:
    1- como o Brasil possui poucas editoras, acredito que a oferta de emprego pra areas de marketing, editoracao, revisao, traducao, seja bem pequena para o numero de pessoas que se forma. Estou certa? Eu acho um pouco ilusao acreditar que uma editora va sempre ter gente nova trabalhando na empresa. Principalmente se ja possui funcionarios bem capacitados que estejam fazendo um bom trabalho.
    Como funciona isso, as editoras trabalham muito com free lancer? Elas contam muito com essa coisa de prazo de entrega etc por isso perguntei do free lancer...pra exigir o que elas quiserem...
    2 - Existe diferenca em uma editora grande como a Intrinseca, Companhia das Letras pra uma editora que eu acredito seja pequena tipo a Novo Conceito, Leya?
    Assim, as menores pra gerar mais lucro, contratam os freela com o que podem pagar?... nao sei se vc entendeu....tem menos funcionarios fixos...
    3- eu percebi que em media uma editora lanca 5 a 10 livros por mes, fora os infantis... acho bastante num pais de poucos leitores. O mercado realmente esta crescendo? Ou as pessoas ainda estao lendo mais romance tipo John Green e nao saem mto disso? Alias acredito q os livros infantojuvenis e juvenis sejam o grande lucro das editoras..

    Bom, acho q eh soh isso... umas curiosidades mesmo...
    um abraco, keep up the good work
    Bia

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  2. Olá, Bia!

    Ainda não tenho dados sobre a leitura no Brasil (comprei alguns livros, ainda preciso ler e me informar), mas tenho a impressão de que o brasileiro em geral está lendo mais do que lia antes - do que há dez anos, por exemplo -, apesar da TV, da popularização da internet e dos smartphones. Assim que possível, escreverei um post sobre isso.

    1. Sim, existem relativamente poucas editoras em relação ao número de pessoas que querem entrar na área. E a maioria das editoras está concentrada em SP e no Rio. No entanto, várias editoras têm um nível muito alto de rotatividade (devido a salários baixos, ambiente de trabalho ruim, exigência para fazer hora extra, etc.), e isso, apesar de, em geral, ser negativo para a empresa e para as pessoas que ficam na editora por pouco tempo, também tem um lado positivo: dá chances de novas pessoas entrarem no mercado. A maioria das editoras que conheço trabalham com free-lancers devido aos custos. Imagino que até as editoras grandes trabalham com esse esquema de prestação de serviços. Às vezes, quando o free-lance presta bons trabalhos, ele pode ser convidado a trabalhar internamente (porque a editora já conhece o trabalho daquela pessoa, sabe que o trabalho é bom, que a pessoa é responsável, que tem compromisso, etc.).

    2. Sim, em geral, as editoras pequenas e médias têm menos funcionários internos e tendem a contratar mais prestadores free-lance, caso contrário, o negócio não se sustenta (cada livro publicado é uma "aposta" - o editor/dono da editora não sabe se o livro vai vender e se vai ter lucro ou prejuízo com ele).

    3. A média de publicação de livros/mês varia muito de uma editora para outra. Em geral, as grandes editora lançam bem mais que dez títulos novos por mês, enquanto as pequenas, bem menos (até porque os títulos precisam ser avaliados com mais cuidado, pois o risco para essas editoras é bem maior do que para editoras grandes). Li há algum tempo em uma matéria (acho que na Folha, não lembro) que os leitores jovens começam a ler coisas do tipo Harry Potter, John Green, Crepúsculo e, depois de um tempo, passam a ler outros gêneros, em geral, mais complexos, o que é bom. Pelo que li, o que dá mesmo grandes lucros são livros didáticos, que as grandes editoras vendem para o governo e, em seguida, vêm os romances best-sellers (seja para adultos ou para jovens).

    Se quiser mesmo entrar na área, faça cursos livres de revisão, tente conseguir trabalhos free-lance de revisão na área de veterinária (como já tem formação nessa área, talvez consiga fazer revisão técnica de livros nessa área... e, tendo experiência, depois é mais fácil conseguir trabalhar com outros tipos de livros).

    Abraços,

    Aline

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  3. Aline,
    Legal saber sobre essas curiosidades, e pasmen como nao pensei que livros didaticos vendem pra caramba, helloooo...
    Sobre a media de livros que o brasileiro le por ano, se nao me engano, na Veja do ano retrasado ou passado, saiu uma notinha, era 1,5 livro por ano. Enquanto nos EUA eram 5 ou mais acho.....bom, isto a gente sabe pq....discussao eterna, ahahahha....

    Entao, sobre a veterinaria acredito que os proprios veterinarios traduzem artigos e livros, pq eu lembro quando fiz minha monografia, 80% dos artigos que consegui eram em ingles e espanhol, pois escolhi um tema nao muito popular. Traduzi numa boa, eu sei que por ter feito curso em lingua inglesa me ajudou, mas eu via muita gente que tinha mais dificuldade traduzindo ate que com facilidade, por incrivel que pareca ler qqer coisa cientifica em ingles, eh mto mais facil do que um livro de ficcao.
    Se nao me engano quando fui procurar emprego uma vez eu acho que vi procura por tradutor cientifico na area...nao lembro... mas nao cheguei a ir atras nao....
    Mas enfim, eh uma coisa legal de se pesquisar pra ver como funciona, obrigada pelo conselho!

    Faca sim o post sobre o habito de leitura do brasileiro.
    Vc esta certa deve ter crescido o numero de leitores sim... inclusive saiu outra materia sobre leitura, materia de capa da Veja dessa semana (e nao...eu nao trabalho na Veja ahahahaha)

    Abracos, Bia.

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  4. Bia, vi a "Veja" no supermercado, quase comprei, mas eu só ia comprar por causa dessa matéria de capa (eu não gosto muito da "Veja"), aí deixei pra lá. Agora acho que vou passar na banca na hora do almoço para comprar a revista e fazer um link com o post sobre leitura no Brasil que quero escrever.
    Abraços! ;)

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