Além de trabalhar internamente como assistente editorial em uma editora de livros, às vezes também presto serviços de tradução e revisão free-lance para outras editoras. (Trabalho free-lance é quando você trabalha para alguma empresa ou pessoa, mas não tem vínculo empregatício com ela. O pagamento é feito por trabalho.)
Nos últimos anos, tenho investido mais nesses trabalhos free-lance, porque gosto muito de trabalhar com texto, porque estou juntando dinheiro para fazer alguns cursos de aprimoramento (depois que terminar o MBA, quero fazer um curso livre de design gráfico) e viajar para o exterior (estou pesquisando para ver se consigo aliar estudo e lazer) e também porque isso tem a ver com meus objetivos profissionais de longo prazo, que são: me tornar tradutora literária e editora de literatura estrangeira.
Sinto que o fato de trabalhar como assistente editorial (e, às vezes, já como editora mesmo) me ajuda a traduzir e revisar melhor; consigo ter uma visão mais ampla, pois tenho em mente todo o processo de produção do livro. E também acontece o contrário, ao traduzir ou revisar, consigo sentir na pele o que é ser free-lancer, como é estar "do outro lado do balcão", quais são as dificuldades, irritações e satisfações de se trabalhar dessa forma e me conscientizo do que não devo fazer. De quebra, consigo ter uma noção sobre o funcionamento das editoras com que trabalho.
Todas as editoras e editores têm formas próprias de trabalhar, isso não é novidade. No entanto, algumas editoras e alguns editores me passam a impressão de serem mais profissionais ou organizados ou confusos que outros. Gosto de trabalhar mais com algumas editoras que com outras (e isso não tem necessariamente a ver com o valor que pagam pelo trabalho; a questão é mais subjetiva).
Há algum tempo listei mentalmente alguns pontos ou algumas características de editoras com que já trabalhei ou trabalho e como me sinto em relação a alguns procedimentos editoriais. Vamos ver se me lembro de tudo (caso você trabalhe na área, talvez se identifique com alguns pontos):
1. Propõe um teste de tradução ou revisão com prazo de entrega de uma semana, mas nunca dá retorno ou demora meses ou até anos para fazer isso.
Nível de irritação: 9
Impressão sobre a empresa: bagunçada
Impressão sobre compromisso com colaboradores: muito baixo
2. Não responde e-mails com dúvidas sobre o trabalho ou demora tempo demais para fazer isso. Também não atende nem retorna ligações.
Nível de irritação: 10
Impressão sobre a empresa: "para que a pressa? no fim tudo dá certo."
Impressão sobre compromisso com colaboradores: muito baixo
3. Não dá todas as informações básicas necessárias para o free-lancer avaliar se consegue assumir o trabalho ou não (número de páginas/laudas a traduzir ou revisar, prazo de entrega, valor a ser pago, prazo de pagamento, requisitos para a execução do trabalho em questão). Só envia um e-mail curto perguntando se o free-lancer pode fazer um "trabalho rápido e tranquilo".
Nível de irritação: #*&$@!!
Impressão sobre a empresa: "devem fazer isso só para me irritar"
Impressão sobre compromisso com colaboradores: nenhum, né?
4. Logo no primeiro e-mail, já envia todas as informações e instruções sobre o trabalho a ser feito, mesmo que o free-lancer depois avise que não poderá assumir o trabalho.
Nível de amor: 100%
Impressão sobre a empresa: profissional
Impressão sobre compromisso com colaboradores: 10
5. Não paga o free-lancer na data combinada, mesmo que ele tenha entregue o trabalho no prazo. Obriga o free-lancer a ficar enviando vários e-mails e telefonando para saber quando vão fazer o pagamento. (Por sorte, nunca tive esse tipo de problema, mas tenho amigos que já tiveram.)
Nível de irritação: 10
Impressão sobre a empresa: Administrativa e financeiramente desorganizada, e talvez um pouco mau caráter. "Daqui a pouco vai à falência."
Impressão sobre compromisso com colaboradores: 0
6. Paga vários dias antes da data combinada.
Nível de amor: 100%
Impressão sobre a empresa: bastante atenciosa
Impressão sobre compromisso com colaboradores: 1000%
7. No caso de tradução de livro, solicita assinatura do contrato com firma reconhecida em cartório.
Nível de irritação: sem irritação (é praxe as editoras pedirem firma reconhecida para contratos de tradução, acho que para se prevenirem em casos de plágio de tradução posteriormente, ou seja, caso o tradutor tenha copiado a tradução do mesmo título já publicado por outra editora - em geral há uma cláusula do tipo: "O contratado assume a responsabilidade pela originalidade da tradução...")
Impressão sobre a empresa: normal
Impressão sobre compromisso com colaboradores: ---
8. No caso de revisão de livro, solicita assinatura do contrato com firma reconhecida em cartório.
Nível de irritação: 7 (todos amamos burocracia e temos tempo de sobra para perder na fila do cartório, certo?)
Impressão sobre a empresa: burocrática / tem bastante tempo e pessoal para perder com burocracias
Impressão sobre compromisso com colaboradores: ---
9. Envia o livro com que trabalhei logo depois da publicação.
Nível de amor: 100%
Impressão sobre a empresa: atenciosa com funcionários e colaboradores
Impressão sobre compromisso com colaboradores: muito positiva
10. Envia uma proposta indecente: traduzir 400 páginas em 30 dias ou revisar 500 páginas em uma semana, com valor/lauda ou valor/página abaixo da média.
Reação: sem reação
Impressão sobre a empresa: exploradora; "também devem contratar mão de obra infantil para trabalhar 16 horas por dia em troca de refeição e moradia"
Impressão sobre compromisso com colaboradores: rá!
11. Envia e-mails da empresa muito depois das 18h ou em domingos e feriados.
Nível de irritação: em geral, não me irrita/ não me importo
Impressão
sobre a empresa: não deve ser tão organizada; faz os funcionários ficarem até depois do horário normal/ os funcionários precisam fazer hora extra para cumprir prazos de publicação porque não há pessoal suficiente; "será que os funcionários levam colchonete para dormirem lá e não perderem tempo?"
Impressão sobre compromisso com colaboradores: neutra
12. Não dá os devidos créditos para o tradutor, preparador, designer, revisor, editor, capista etc.
Prefiro nem comentar.
[Acréscimo inserido no dia 13/5/14: lembrei de uma vez, há alguns anos, em que uma editora me enviou testes por e-mail e, depois que eu fizesse, deveria imprimir e enviar por correio. Em pleno século XXI - pelo menos esse é o século em que eu vivo, não sei o século em que eles estão vivendo. Fui lá e fiz para ver no que ia dar. E essa editora nunca me deu resposta. Deve ter sido tragada e devorada pelo Monstro Retrógrado... Bom, pelo menos até agora nunca me pediram para enviar teste por FAX, por enquanto.]
Duas coisas muito positivas que aprendi enquanto free-lancer (com empresas diferentes): é possível se cadastrar na prefeitura como MEI (microempreendedor individual) para emitir notas fiscais - esse tipo de cadastro não exige burocracias e paga-se apenas uma taxa fixa por mês (em torno de R$ 40 atualmente), embora seja válida apenas para alguns tipos de profissões - fiz o meu cadastro como "editor de livros". A segunda coisa positiva é que soube que a nova versão do Adobe Reader (versão XI) possui ferramentas de revisão de texto, o que é bastante prático para revisar livros já diagramados e que estão em PDF.
E o ponto positivo geral de se trabalhar com várias empresas diferentes é que, às vezes, algumas fazem exigências ou dão instruções diferentes umas das outras que depois podem ser aplicadas no trabalho que faço internamente ou mesmo para trabalhos em outras empresas (quando estas não têm critérios definidos).
Hoje em dia, eu não conseguiria trabalhar apenas como free-lancer - tanto pela insegurança financeira quanto pela sensação de que não estou evoluindo tanto quanto gostaria ou poderia profissionalmente. Gosto e preciso desse dinamismo de ir absorvendo aprendizados de várias fontes para, aos poucos, ir aplicando e aprimorando minha forma de trabalhar.