quinta-feira, 13 de março de 2014

Aprenda a fabricar um best-seller com os Simpsons

Gosto muito dos Simpsons e, sempre que posso, assisto aos episódios na Band (antes passavam em dias de semana, menos quarta-feira, às 21h - era o tempo de chegar do trabalho, preparar o jantar e jantar vendo o desenho -, mas agora passam um seriado péssimo nesse horário e Simpsons às 22h). 

Essa semana vi um episódio chamado "A farsa dos livros" (The Book Job), baseado no filme "Efeito Dominó" (The Bank Job), que pretendo ver algum dia. Na verdade, vi metade do episódio, dormi de cansaço no meio dele e depois fiquei procurando o episódio completo na internet no dia seguinte - e encontrei! Ele pode ser visto inteiro, dublado e grátis aqui. [Nesse site também há vários outros episódios, dublados e legendados, descoberta do ano!]

O episódio "A farsa dos livros" é uma sátira sobre a indústria de best-sellers para adolescentes (tween lit), mas com uns pingos de verdade. Afinal de contas, toda editora a maioria das editoras quer publicar um livro que venda muito e gere muitos lucros, não importa se ele é bom ou não.

***

Os Simpsons vão a um espetáculo com dinossauros e lá, por acaso, Lisa descobre que sua autora favorita, T.R. Francis, na verdade, é apenas uma atriz contratada pela editora para se passar por autora e fica decepcionada. No espetáculo, a suposta autora trabalhava vestindo uma roupa de dinossauro.


A atriz-falsa-autora reluta um pouco, mas acaba contando à Lisa que os livros infantojuvenis são escritos com base em pesquisas de consumo e a decisão sobre o que publicar é tomada por um grupo de editores/investidores em uma reunião em que esses dados são apresentados. Ela conta também que os livros são escritos por "especialistas em literatura desesperadas por trabalho" (hahaha!), que trabalham exaustivamente e à base de remédios.

Escritoras ghost writers em suas baias


Quando uma morre de cansaço, é logo substituída por outra

Com um bom trabalho de marketing, depois o livro é lançado com grande sucesso.

Lisa em uma grande fila no dia do lançamento de mais um livro de T.R. Francis

Um tanto revoltada, Lisa conta a história para Homer, que tem a brilhante ideia de formar uma equipe com pessoas que possam contribuir para o projeto, ou seja, escrever um best-seller, vendê-lo e ganhar US$ 1 milhão em adiantamento por direitos autorais (hahaha). 

Algum tempo depois, Lisa descobre o que Homer está tentando fazer e diz que também vai escrever um livro dela, sem tramoias.


Lisa não consegue escrever nada porque fica procrastinando, mas a equipe de Homer, formada por Bart, diretor Skinner, Professor Frink, Patty, Moe e Neil Gaiman terminam o manuscrito e vão até uma editora apresentar o projeto para o diretor/investidor.


O editor gosta do projeto, mas diz que precisa de alguém para assumir a autoria do livro.


Homer convence Lisa a assumir a autoria do livro, embora depois se sinta mal (ela queria o nome dela na capa de um livro, mas depois comenta: "Me tornei o que eu mais odiava"). A equipe recebe o cheque e fica feliz (exceto Lisa)... até ver um modelo prévio, antes de o livro ser publicado, enviado pela editora.


Por conta de pesquisas de mercado, a editora altera todo o enredo do livro (os personagens não são mais trolls e, sim, vampiros, porque a aceitação de personagens trolls pelos adolescentes não era boa - hahaha), e isso mexe com o ego dos autores, que começam a surtar.


Bart tem um momento de "lucidez" e comenta algo do tipo: "E daí que mudaram o livro inteiro? Temos um cheque de 1 milhão!!", mas a equipe não se convence (o ego dos autores às vezes é algo fora do normal) e quer que o livro seja publicado conforme o manuscrito entregue à editora. Então armam um plano para invadir a gráfica da editora e trocar o arquivo a ser impresso.

Impressora rotativa para grandes tiragens

No fim das contas, acontecem uns cambalachos e Neil Gaiman (a voz no episódio original é dele!) fica com a autoria do livro, "apesar de ele não saber nem ler", e tira umas férias.


***

Minhas observações:

1. Algumas editoras realmente têm baias com pouco espaço iguais às que aparecem nesse episódio, mas nunca ouvi falar de escritores que trabalham internamente;

2. Não é comum autores desconhecidos ganharem adiantamento de direitos autorais, e muito menos um valor tão alto;

3. Opinião baseada em achismo: deve haver muito mais livros escritos por ghost writers e assinados por pessoas famosas do que imaginamos (principalmente as que estão sempre na mídia e têm vários compromissos muito mais importantes do que escrever um livro); não consigo julgar se o uso de ghost writer é "ético", mas sei que se o ghost writer faz um bom trabalho (melhor do que a pessoa que aparecerá como autor na capa faria), isso facilita a vida de editores e revisores envolvidos na publicação;

4. Não sei se editoras grandes fazem pesquisas de mercado relacionadas a títulos que pretendem lançar, mas livros são, sim, publicados de acordo com determinados critérios (óbvios ou subjetivos) dos editores ou do dono da editora ou dos filhos do dono (se os títulos que a própria editora publicou estão vendendo bem, mais títulos parecidos serão lançados; títulos que os concorrentes estão lançando e estão vendendo bem provavelmente serão imitados; o autor tem contatos importantes na mídia; o livro foi escrito por ou é sobre alguém famoso; o livro é polêmico; o livro é da filha de um amigo do editor, e ele deve um favor para esse amigo etc. ou às vezes é porque o editor realmente acredita no potencial do autor e do livro);

5. Depois desse episódio fiquei imaginando se a história da Stephenie Meyer, autora da série Crepúsculo, não foi criada para dar um pouco mais de emoção, charme e encanto a esses livros tão sem graça. Já faz um tempo, li na página da autora que ela sonhou com os personagens principais da série e, a partir desse sonho, escreveu os livros, foi recusada por várias editoras, inclusive algumas foram bem mesquinhas com ela, até a Little, Brown and Company se interessar pelo manuscrito dela - entre o sonho e o original ser aceito para publicação, passaram-se apenas seis meses; o depoimento completo pode ser lido aqui (em inglês). A história que a autora conta me pareceu muito mais interessante que a obra dela (daria um bom filme!), mas agora me questiono se tudo isso também não foi fabricado (pela própria autora ou pela editora);

6. Ghost writers devem ter uma certa maturidade e o próprio ego admiravelmente sob controle para abrir mão da autoria dos próprios textos ou talvez encarem esse trabalho como qualquer outro trabalho com texto. Encontrei esta página de um ghost writer brasileiro, em que ele explica os serviços que oferece e também tem uma entrevista que ele deu falando sobre o trabalho, anonimamente, é claro - vale a pena ler, é interessante;

7. Gosto do trabalho do Neil Gaiman, apesar de não ter lido muitos livros dele ainda.


2 comentários:

  1. Oi Aline, tudo bem?
    Passando aqui para agradecer um super help que você me deu
    no texto do blog Breves Fragmentos. Estava pesquisando artigos e
    reportagens sobre o mundo editorial e encontrei muita
    coisa interessante no seu! Muito obrigada mesmo, quero me
    especializar em Marketing Editorial assim que me formar, mas já
    estou 'caçando' muita coisa na internet para me orientar.

    Tem alguma rede social? Twitter, instagram?
    Me passa ou me adiciona lá: @kikamonteiroo

    Beijão e obrigada novamente, vou passar sempre por aqui rs

    ResponderExcluir
  2. Obrigada pelo comentário, Kika! :)
    Tenho Twitter: @alienaomi, mas não entro todos os dias. Depois te adiciono lá.
    Beijo,
    Aline

    ResponderExcluir