sábado, 1 de fevereiro de 2014

O que faz uma assistente editorial?

              Enriquetta by Liniers (in Macanudo #2 - 
            Ediciones de La Flor, Buenos Aires, Argentina)

Desde o começo do ano, o ritmo de trabalho na editora tem sido puxado. Março foi o mês mais frenético desde que estou lá e abril também promete. Estou cansada. Não é uma reclamação, é só uma constatação. Teve um dia em que eu tinha milhares de coisas urgentes (às vezes TUDO é urgente) para resolver e o telefone não parava de tocar – pessoas ligando para saber como publicar um livro, como comprar livros, oferecendo todo tipo de produtos e serviços, autores, fornecedores – deu vontade de chorar. De cansaço. Mas como menina não chora, eu não chorei.

Na verdade mesmo, esse post vai ser sobre o que é (ser) uma assistente editorial, editora-assistente, editora júnior ou seja lá qual for a denominação que se dê para o cargo. Para quem não é do meio editorial, é um pouco difícil explicar, mas tentarei. Acho que nem meus pais sabem direito o que eu faço. Nem a maioria dos meus amigos que não trabalha nesse meio.

É assim: a assistente editorial de uma editora, em geral, faz um pouco de tudo. Durante esses últimos meses, fiquei pensando que um(a) assistente editorial precisa cuidar de muitos detalhes às vezes “invisíveis”, aparentemente simples, mas imprescindíveis, para que os livros saiam. Entre o autor entregar o arquivo em Word do livro dele, depois de o contrato de publicação ter sido firmado com a editora, até o livro impresso sair, existe um infinito de coisas.

Enquanto ouço o CD com a trilha sonora de um dos meus filmes preferidos, Lost in Translation, seguem detalhes.

Às vezes o(a) assistente editorial cuida apenas de assuntos editoriais (basicamente coordenação de tradução, preparação e revisão de texto, contratação de profissionais de texto, relacionamento com autores e colaboradores em geral – entre milhares de “coisinhas” que vão surgindo). Às vezes, cuida apenas da produção editorial (nesse caso, eu chamaria de “assistente de produção”, mas nem tudo é assim tão claro), é responsável por contratar designers gráficos, diagramadores, ilustradores, comprar direitos de imagem, caso o livro tenha fotos, solicitar ISBN, ficha catalográfica, escolher o tipo de papel em que a capa e o miolo do livro serão impressos, enfim, cuidar da parte "estética" do livro, para que o conteúdo (que já foi cuidado pelo departamento editorial) seja apresentado de forma atraente, para que milhares de leitores comprem o livro e a editora possa ganhar muito dinheiro (hoho). Às vezes, o(a) assistente editorial trabalha tanto com assuntos editoriais quanto de produção – é o meu caso no momento.

De editorial, reviso o que for necessário (a última revisão legal foi de um livro de culinária italiana – adoro italiano, adoro comida, adoro texto sobre comida!), às vezes confiro se o arquivo preparado (com marcas de revisão no Word) está ok para ser enviado para o(a) designer fazer o projeto gráfico/diagramar (mas, em geral, o editor encaminha o arquivo para o designer), verifico se as alterações que o autor pediu foram aplicadas no arquivo diagramado (arquivo que depois irá para a gráfica e a partir do qual a impressão será feita), se precisar, entro em contato com os autores para resolver pendências sobre texto, redijo textos de quarta capa (aquele resumo que tem na parte de trás do livro) e orelhas quando o próprio autor não faz isso, faço a remissão do sumário e verifico possíveis falhas de diagramação (às vezes acontecem alguns problemas, por exemplo, o tamanho da fonte fica diferente ao longo do arquivo, mas tudo precisa ter uma padronização); já traduzi alguns textos (apresentação de livros internacionais para divulgação), mas como 97,5% (chutando) dos livros são nacionais, não faço muita coisa nessa área – é uma pena, porque adoro tradução.

De produção, faço a ponte entre autores e designers/diagramadores (o editor cuida bastante dessa parte, mas sinto que aos poucos ele está começando a dividir o trabalho comigo), verifico se o arquivo está de acordo com o que o autor acha mais coerente (pensando bem, uma parte disso é trabalho editorial, olha como não é tudo separado), verifico se a capa está ok, se o ISBN (International Standard Book Number) – falarei mais sobre isso depois – e o código de barras na quarta capa estão corretos, faço cotação de gráficas e de papéis (o papel é comprado separadamente de distribuidoras de papel, porque fica mais barato do que comprar o papel da gráfica onde o livro será impresso – a maioria das gráficas vende papel + serviços de impressão se o cliente quiser), coloco tudo em um “comparativo” [de preços]. Quando o editor aprova a compra de papéis e a contratação da gráfica (em geral, peço orçamento em quatro gráficas e quatro distribuidoras de papel parceiras) – no comparativo já indico quais os lugares com preços melhores –, entro em contato com a gráfica, para avisar que enviarei os arquivos do livro (capa e miolo) e também que os papéis da distribuidora serão entregues lá em breve. Compro o papel (mesmo depois de ano fazendo isso, sempre verifico milhões de vezes se o formato* e a gramatura** do papel estão corretos, porque, se eu comprar errado, é prejuízo na certa – às vezes preciso comprar TONELADAS de papel cujo total soma umas dez, vinte vezes o meu salário!).

* formato do papel: há vários formatos de papel que as gráficas utilizam, por exemplo, 66x96 cm – dependendo do formato do livro e da capacidade da impressora, dá para imprimir um determinado número de páginas nessas folhas de papel e quanto menor o formato do livro, mais páginas dá para imprimir em cada folha.

** gramatura do papel: já notaram que existem livros com folhas mais finas e outras mais grossas? Então, isso acontece porque existem várias gramaturas de papel (isso sem falar nos vários tipos de papel). Em geral, usamos a gramatura 90g/m2 para o miolo e 300g/m2 para a capa. Em geral, quanto menor a gramatura (quanto mais fino o papel), mais barato o livro fica, porque o papel é vendido por peso e, quanto menos peso, mais barato. Um dia queria produzir pelo menos um daqueles livros bem vagabundos feitos com folha jornal e capa que parece de revista para ter ideia de quanto fica – acho horríveis esses livros, mas o custo de produção deve ser muito baixo.

Não basta comprar o papel e verificar se a nota fiscal está com preços corretos e passar para o Departamento Financeiro, tem que registrar esse papel em um site do governo, fazer o RECOPI (aqui), pois não há imposto para compra de papel para impressão de livros (é o chamado “papel imune”), desde que você comprove. Parece que antes não precisava registrar, mas como estamos no Brasil, as pessoas começaram a comprar papel imune sem ser para impressão de livros, aí o governo precisou burocratizar. Agora fica tudo registrado lá, de quem a editora comprou papel e para que gráfica esse material foi, onde e quando os livros foram entregues e em que notas fiscais consta tudo isso.

Em geral, os designers enviam os arquivos para a gráfica (se precisar, eu faço isso), confirmo se estão ok, e a gráfica envia uma plotter – que é uma versão impressa do livro, mas não exatamente como o livro acabado – para conferência e aprovação. Confiro a plotter, vejo se as cores da capa estão de acordo (a gráfica envia uma impressão digital da capa, com as cores exatamente como serão impressas), assino tudo, mostro para o editor, que dá uma olhada e confere a página de créditos (ele deve ter pavor que saiam créditos errados!), aí peço para o motoboy da gráfica retirar esse material aprovado. E aí é só aguardar a data de entrega dos livros.

Quando o livro tem ilustrações, em geral, o editor e o(a) designer acertam os detalhes, por enquanto não preciso me preocupar com isso. Quando o livro tem fotos (na capa e/ou no miolo), entro em contato com os bancos de imagens e negocio os direitos de publicação das fotos, previamente selecionadas pelos designers – quando tem fotos no miolo dá MUITO trabalho! Choro bastante no preço, porque é caríssimo, mas o livro precisa ficar bonito. Quando o editor aprova o orçamento das fotos, fecho negócio, providencio documentos necessários (a Getty Images, por exemplo, tem um formulário que precisa ser preenchido, carimbado e assinado), os bancos de imagens enviam as fotos em alta resolução, confiro, uma por uma, peço os créditos, envio tudo para os designers... e depois tem que conferir se foi tudo inserido no arquivo do livro com os devidos créditos. Mas muitos livros não têm imagens no miolo porque encarece demais o preço final do livro.

Quando o livro tem CD de áudio (lembrando que a linha de publicação da editora é de livros para ensino/aprendizado de idiomas), o autor envia o script, o estúdio envia um orçamento, agendo a gravação com os locutores, vejo se todos podem gravar em um determinado dia e horário, vejo se o estúdio está disponível, confirmo tudo, imprimo 'x' vias do script, dependendo do número de locutores, faço os contratos dos locutores, combino com o responsável pela gravação/estúdio para ele passar na editora para pegar (scripts e contratos, assim os locutores podem assinar no dia da gravação). Depois da gravação, um (ou dois) CD é masterizado, gerando a “master” (CD a partir do qual as cópias serão feitas). Preparo contrato de duplicação de CDs, vou pro cartório reconhecer assinatura do editor, depois envio isso e a(s) master(s) para a empresa que vai duplicar/copiar os CDs. Nisso também já envio, por e-mail, o pedido (com todos os dados – número de cópias, endereço da gráfica onde os CDs devem ser entregues, etc.) e o arquivo com a arte final para o rótulo do CD (aquela “estampa” que aparece na parte de cima de CDs e DVDs), feito pelo(a) mesmo(a) designer responsável pelo projeto gráfico da capa e do miolo.

Pronto, aí, quando os CDs ficam prontos, a gráfica anexa na parte interna dos livros, faz o “shrink” (coloca aquele plástico para proteger o livro) e entrega assim, com o CD já anexado.

Fora isso, tem também uma parte “administrativa”, que é a parte dos entediantes relatórios. Faz parte da rotina de trabalho. Coloco dados de custos, vendas etc. em planilhas mensais. Hoje em dia, mais ou menos mensais, porque o editor sempre me lembra que a produção dos livros é mais importante e que os relatórios não são prioridade – então, faço quando dá, mas sei que são importantes para dar uma visão geral dos custos e das vendas.

Em meio a tudo isso, responder e-mails importantes e desimportantes, atender telefone, ir aos correios, organizar pastas com documentos e relatórios de cada livro e fazer compras em geral. E ser simpática com todo mundo que entra em contato com a editora, mesmo quando a pessoa só quer jogar conversa fora e tenho vontade de falar “pelamordedeus, me deixa trabalhar!”.

Quando o livro impresso fica pronto, recebo cópias na editora e peço para uma colega da distribuidora (onde ficam armazenados os livros para venda) enviar cópias para os designers que trabalharam naquele determinado livro. Essa é a parte final que encerra o ciclo todo.

Quando se trata de uma reimpressão (o livro já foi impresso uma vez, tudo foi comprado e o estoque precisa ser reposto), é um pouco mais simples porque os arquivos do livro já estão prontos – ou seja, todos os detalhes do livro foram verificados anteriormente –, só precisa alterar uma informação ou outra (o designer que trabalhou no livro acerta rapidamente o arquivo e também confiro rápido), faço as cotações de gráfica e papel (e solicito CDs, se for o caso), e o diretor aprovando os orçamentos, é só avisar a gráfica que os arquivos e o papel para impressão serão enviados.

ISBN (International Standard Book Number, número de registro internacional do livro – cada livro precisa ter um, geralmente aparece junto do código de barras na contracapa do livro) e ficha catalográfica. A parte de solicitar/comprar o ISBN é a mais burral de todo o processo. Há quase um ano a Fundação Biblioteca Nacional (http://www.isbn.bn.br/), no Rio, que é responsável pelo controle e venda de ISBN, está falando que o sistema será feito online. Ahã. Enquanto isso, é preciso fazer assim: comprar antecipadamente os ISBNs, fazendo depósito no Santander. É preciso enviar por correio o comprovante original (como algumas editoras estavam dando calote, enviando cópias de recibo, comprovantes de depósito por envelope e não depositando o dinheiro no envelope etc., agora solicitam o comprovante original e pedem para ficarmos com uma cópia, no caso de extravio). A venda só é possível se a editora comprovar que 80% dos ISBNs vendidos anteriormente foram usados: é preciso preencher uma ficha padrão deles para cada livro (título, número de páginas, ISBN etc) e anexar a folha de rosto (aquela página inicial do livro, com nome do autor, título e editora, às vezes, a cidade e o ano também), imprimir tudo e enviar por correio (me sinto na Idade da Pedra). Se não enviar essas fichas, além das folhas de rosto, eles não liberam a venda de mais ISBNs. Mais ou menos de quatro em quatro meses, preciso passar por isso. “Tanta louça pra lavar e eu aqui preenchendo essas merdas de fichas, sendo que tudo poderia ser feito online, se houvesse um sistema online - muito mais rápido e prático!” Passada a revolta e recebendo os ISBNs, fico bem.

Para solicitar a ficha catalográfica (em geral é incluída na página de créditos, no verso da folha de rosto) no site da CBL (Câmara Brasileira do Livro), em São Paulo, é preciso ter o ISBN do livro. Entro com o login e senha da editora, preencho dados do livro, ISBN (vou dando aos livros os números de ISBN comprados), anexo as primeiras 20 páginas do livro diagramado em arquivo PDF no pedido e solicito - tudo online. Recebo confirmação de solicitação por e-mail. Depois de alguns dias, recebo a ficha catalográfica, confiro (uma vez não sei COMO colocaram o nome de uma editora concorrente na ficha catalográfica! Haha, mas foi a única vez. Em geral, o pessoal da CBL é bem cuidadoso e, em caso de dúvida, ligam para confirmar dados do livro antes de emitir a ficha). Tudo bem prático e fácil, diferentemente do que acontece para comprar ISBNs.

Uma coisa óbvia que só percebi quando fui trabalhar na editora atual: se o autor é bem organizado, o livro fica pronto muito rápido, não tem muitos vai e vens de e-mails, acertos, indecisões; se o designer/diagramador tem uma boa formação e entende do que faz, além de ter cultural geral e senso crítico, há uma boa chance de o livro chegar a ficar perfeito ou muito perto disso. Nos últimos meses, tivemos alguns problemas com autores enrolados, o que também me sobrecarregou e cansou. Se o autor não entrega o arquivo acertado (muito próximo do que ele quer impresso no livro) para o designer e depois fica pedindo milhares de alterações, a vida fica bem difícil. Sem brincadeira, um autor enviou CINQUENTA páginas com pedido de alterações; a designer deve ter ficado injuriada – e eu me estressei um pouco porque tive de verificar se todas as alterações foram feitas no arquivo do livro, um puta tempo perdido, enquanto outras coisas importantes ficaram esperando; explicando melhor: o autor muito provavelmente enviou o arquivo sem uma última lida para ver se havia erros de digitação ou as coisas que ele queria padronizar ou alterar. Mas sorte que esse tipo de autor não é regra na casa. Se fosse, eu certamente estaria procurando outra editora para trabalhar; sério, é muito estressante trabalhar com gente assim, que parece que não leva as coisas a sério. Depois desse ocorrido, o editor passou um “sermão elegante” e o livro seguinte desse mesmo autor já foi menos estressante (teve bem menos correções).

Talvez no futuro eu consiga focar minha carreira apenas no departamento editorial (como na primeira editora onde trabalhei), sem precisar colocar a mão na produção, mas essa fase está sendo muito importante; acho que eu precisava/preciso ter essa noção de todo o processo de publicação do livro.

São muitas coisas, muitos detalhes. Às vezes acontecem algumas falhas, daí precisa corrigir na reimpressão seguinte. Não é nenhum fim do mundo, mas me sinto péssima quando descubro um detalhe, um erro, que só depois que o livro está impresso. Coisas que só amantes de livros sabem o que é.

Publicado originalmente em 13/04/2012 nesse meu outro blogue.

4 comentários:

  1. Oi aline me responde uma pergunta sobre editora de livros
    quais são as características dessa profissão?
    E as exigências dessa profissao?
    é para uma pesquisa rs

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    1. Olá, Leticia.
      Respondi seu e-mail ontem à tarde, indicando alguns links, com textos escritos por editores, em que você poderia obter essas respostas. Pelo visto, nem leu, né?

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  2. Olá Aline!
    Eu faço arquitetura e estou pensando em transferir o curso para Letras-Tradução. Mas tenho visto algumas oportunidades de emprego para alunos dos cursos de Produção Editorial ou Letras. Eu gostaria de saber se Letras-Tradução se encaixa nesse quesito e se você acha que é bom curso se meu interesse é tentar entrar no mercado editorial.
    Obrigada desde já!

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  3. Olá, Anônima!
    Olha, sou suspeita para falar, porque sou formada em Bacharelado em Tradução, mas a meu ver o curso de Tradução é melhor que o curso de Licenciatura em Letras para quem quer trabalhar no mercado editorial porque oferece a oportunidade de estudar línguas e tradução - caso você precise editar livros traduzidos, já vai ter mais embasamento para isso. OU, pelo contrário, Licenciatura em Letras pode ser uma boa opção se você gosta e pretende atuar com edição e publicação de livros didáticos (para ensino de português e literatura, por exemplo).
    Se já estiver em um dos últimos anos de Arquitetura, talvez seja uma boa terminar esse curso e depois fazer uma pós em edição/ editoração de livros. Uma das melhores designers de livro que conheço é arquiteta e depois se especializou em design de livros (me parece que as áreas - arquitetura e design - são afins) - nesse caso ela trabalha mais com a "arte" do que com o conteúdo escrito/ texto.
    Não sei exatamente que tipo de trabalho você gostaria de fazer em uma editora, mas se tiver interesse em trabalhar com projetos de arte, você já está meio encaminhada. Se sente que gosta mais de texto, então sugiro você mudar de curso para Letras ou Tradução mesmo.
    Abraço!

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